quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Relato Pedal de 2009/2010 - Parte 2

Depois dos "causos" da vaquinha e do riozão, vamos dar sequência a nossa aventura de 2009/10 com mais uma parte do relato.

Pedal de 2009/2010

Morretes (América) - Serra da Prata e Limeira - Garuva - Vila da Glória - Itapoá (pela costa) -
Guaratuba e Caiobá - Gaivotas - Floresta Estadual do Palmito - Morretes (América)
262 km
Heron Mathoso / Roberto Brandão

Logo chegamos à Estrada da Anhaia e paramos em frente a uma propriedade. Não havia ninguém por perto, mas entramos assim mesmo. Era um antigo alambique, do qual o pai do Heron tinha sido sócio há 30 anos. O galpão abrigava grandes barris e uma roda d' água que provavelmente estaria aposentada. Saímos sem saber se ainda funcionava o alambique. Se teria alguma bebida naqueles tonéis de madeira, imaginei que deveria ter o suficiente para Morretes inteira e para todos os turistas que aparecessem, tamanho tinham os barris. De qualquer modo, o Heron conta que guarda - a sete chaves e em oito cofres - uma preciosa garrafa de cachaça ainda daquela época.
Adiante, chegando numa bifurcação onde eu sempre segui para a esquerda passando sobre a ponte, Heron sugeriu o caminho à direita. Era mais um que eu não conhecia, e um bom atalho que nos levou até a rodovia asfaltada de Morretes para a BR-277.
Nesta chegando, nem era preciso pedalar ao longo da 277. Bastaria atravessá-la e seguir por outra estrada de chão. Numa tentativa de encurtar o caminho, atravessamos a pista da volta dali onde estávamos, sem procurar o retorno. E de pé ao lado da bike, no talude gramado entre as pistas, segurando-as com o freio numa posição inclinada, ficamos aguardando a passagem dos carros. Só que eram muitos, muitos carros. Não vamos esquecer que era final de ano. Era aquele movimento incessante de veículos rumo ao litoral, vindo da Grande Curitiba e de todas as partes do estado, a tal ponto de sugerir uma dúvida: "será possível que cabe tanta gente assim nas praias?".
Quando enfim e aleluia que surgiu uma brecha um pouquinho maior entre os carros, atravessamos correndo.
Essa espera para cruzar a BR até nos rendeu boas risadas. Pois, pensando bem, atravessar aquele riozão lá do início até que não tinha sido tão difícil assim...
Fase 2:

O próximo desafio que nos aguardava era a subida da Serra da Prata.
Mas não sem uma parada para "abastecer" em um mercadinho local, com um bom sanduíche de queijo e mortadela preparado ali na hora. Aqui, não posso deixar de mencionar o curioso menino curioso que passava, com sua bicicleta do aro pintado de vermelho e que parou para conversar com a gente. Por muitas razões, torci para ele não pedir para ir conosco. O garotinho nos perguntou aonde íamos, se aquela bicicleta era minha, se esta era a do Heron, de quem era este capacete, de quem era o outro capacete... e assim ia. Eu ali, com a boca aberta, pronta para devorar o pão que eu segurava com uma mão e o copo de refrigerante na outra, mas eram mais perguntas para responder ao menino do que as mordidas que eu tinha para dar no sanduíche. O jeito foi inverter os papéis. Passamos a fazer mais perguntas que ele. Não sei porque não demorou muito e ele logo seguiu seu caminho.

Já passava das 10h30 e mal tínhamos iniciado nesta estrada. O sol já começava a mostrar a força de sua presença. A esta altura, já estava usando chinelo, chapéu e escolhendo o lado de mais sombras para pedalar.
Só que há ali muitas pedras soltas. É terreno para pedalar devagar e com cuidado. Bem que o Heron falou que nesta estrada, só com "trator a jato". Até tirou a foto de um destes para provar.

Águas que valem ouro na Serra da Prata
Então, se o caminho tem dificuldades assim, por que percorrê-lo?
Só quem experimenta para descobrir a maravilha de passar pela região da Serra da Prata, com as vistas dos morros tão próximos, o cheiro do mato, o barulho das águas dos diversos rios. São rios que cruzamos ou mesmo que margeiam a estrada; rios que desaguam nas baías de Guaratuba/PR e rios que desaguam na baía da Babitonga, em São Francisco do Sul /SC, divididos pela serra.
À cada ponte que passávamos, víamos as pedras mergulhadas que se refrescavam naquelas águas cristalinas. Escolher um desses rios para um banho era uma idéia tentadora. Mas enfrentar a subida forte depois, bem sob o sol do meio-dia, é que não era. Olhamos um para a cara do outro e combinamos "Depois da serra?", "Depois da serra." E com esse estímulo, pensando no rio como prêmio, alternando entre marcha leve e empurrando a pé, bebendo a água do cantil e suando ela toda em seguida, subimos os 4 km da serra. Em cada parada para descansar em alguma curva, olhando a mata nativa enquanto sentia o batimento relaxar, vinha-me uma revigorante sensação de paz. Às vezes, até podia ouvir o barulho da água em algum lugar lá embaixo.
Claro que entramos num desses rios logo ao terminar a descida. E que banho! Com direito a hidromassagem natural, que se forma pelas quedas d' água entre as rochas maiores. Heron fez de uma destas uma poltrona, com água corrente, comendo um salgadinho, vida de rei. Eu deitei na água, deixei só o rosto para fora da superfície, fiz de uma pedra um travesseiro, coloquei um pé em cada queda d' água, e esqueci da vida.
Com o Sol a pino, as pedras do fundo do rio ganham uma coloração dourada. Não dava vontade de sair dali. Mas quando saímos, saímos renovados, como se todo a viagem estivesse começando dali. A água fria refresca e parece levar embora todo cansaço, não apenas de uma caminhada longa, mas de um 2009 inteiro de muito trabalho.
Inseto com número de série
Pude ver algumas plantas que não via há muito tempo, bem como outras que só fui encontrar por ali, como algumas flores diferentes. E, momentos antes, quando estávamos para descer a Serra da Prata, pousou sobre a camisa do Heron uma borboleta listrada feito uma zebra, e com um número "98" desenhado numa das asas. Na verdade, é conhecida como borboleta 88. Achei aquela espécie, até então estranha para mim, merecedora de uma boa foto para recordação. Aproximei a câmera com cuidado, acionei o zoom ao máximo, mas ela voou. Voou e voltou para a camisa, exibindo-me agora a outra asa, com o número "89". Aí fiz o disparo, meio que de longe para não perder a chance de novo. Até que a foto ficou legal, apesar de não ter conseguido um daqueles closes de revista científica, como eu queria. Bastou desligar e guardar a câmera para esta bela criatura voar e pousar na minha mão, a 30 cm dos meus olhos.

Carga pesada
Heron já conhecia bem a estrada. Era apenas a minha segunda passagem por ali. A descida estava mais fácil do que da outra vez, por estar com menos pedras grandes e soltas. Em compensação, desta vez estávamos carregados.
Na minha bicicleta, quase todo o peso extra de uma mala de roupas da viagem, água, ferramentas e a barraca estava concentrado sobre o bagageiro e, por consequência, sobre o eixo da roda traseira. Como a estrada tinha muitas pedras salientes, era preciso ir bem devagar para não forçar demais o aro ou o eixo. Na descida da serra, por exemplo, bastava eu tentar soltar um pouco mais os freios, já começava a sentir e ouvir os impactos da roda no chão. E ali, pode acreditar, não seria um bom lugar para escolher ficar sem roda.
A carga transportada pelo Heron estava bem distribuída, especialmente por causa de sua invenção bolsa-quadro sob medida. Mesmo assim, as pedras da estrada não tiveram piedade de um dos raios de sua roda traseira. Com um a menos, o aro entortou, mas não percebeu logo de cara. Acabou gastando energia extra à toa, ao longo de uma boa distância, por pedalar com o freio raspando à cada volta da roda. Ao notar, optou por soltar o freio e ficar apenas com o dianteiro.
A paisagem que a Estrada da Limeira revela depois da serra faz o viajante pensar que entrou em um mundo à parte. Você sabe que está ali perto de alguns lugares que provavelmente já conhece, mas custa a acreditar como nunca viu antes aqueles morros tão bonitos, plantações tão bem cuidadas, e até mesmo localidades tão simpáticas das quais nunca ou tão pouco ouviu falar.
E como uma viagem nunca é igual à outra, desta vez o Heron mostrou também uma entrada que dá acesso a mais um belo lugar à margem de um rio. Daria outro memorável banho, mas estava mais para local de pesca. Um grupo se divertia ali, aparentemente por lazer, ao pescar lambaris. Confesso que não tenho paciência para pescar. Mas para comer peixes, aí pode me chamar.
Em Canasvieiras, onde paramos no comércio à beira do rio, não faltou aquela mais do que especial porção de lambari frito com limão, a qual o Heron merecidamente elegeu como "prato oficial" daquela localidade.
Ponte Molhada
Fui conhecer este tipo de ponte somente nestas aventuras do NaturezArLivre. Trata-se de uma construção simples com tubos pré-fabricados dispostos sobre o leito do rio, e uma pista de concreto sobre elas, permitindo a travessia de carros ou pedestres. Enquanto o rio flui normalmente, a água passa por dentro das manilhas (tubos). Quando o rio enche, a água passa a fluir também por cima da pista - daí o nome ponte molhada. "Aprendendo por aí" *.



Outro aspecto interessante é que as manilhas acabam represando parte do rio, formando assim uma espécie de piscina. Então, claro que não faltaram ali dois ciclistas aventureiros prontos para mergulhar!
Nadar ali é até engraçado de ver. Ou um tanto perigoso. Como a correnteza é um pouco forte, quando eu nadava a favor do rio... que facilidade... sentia-me como um atleta profissional. Em compensação, voltar nadando era fazer pernas e braçadas vorazes vendo-se deslocar por apenas algumas pedras no fundo do rio, mais ou menos como ver alguém correr parado ou numa esteira.
Noutro ponto da margem rio, em uma parte profunda, notei que havia uma rocha com uma altura boa para pular na água. Mas alguns dos garotos moradores dali divertiam-se saltando de um galho de uma árvore acima desta rocha. Nem me atrevo a arriscar qual a altura do galho até a água. Nem mesmo coube no enquadramento para a foto. Sei que dava vertigem só de olhar. Não sei o era mais perigoso, se o salto em si, ou o galho fino em que os guris se seguravam para escalar a tal arvore.

Com ajuda extra
Saímos dali por volta de 16h15. Tirando as duas butucas que Heron trazia orbitando seu capacete e a árdua batalha até livrar-se delas, o resto era só tranquilidade e a bela paisagem da região, que fazem a gente esquecer do tempo. A carga na bicicleta e a mochila não chegam a ser um incômodo, mas diminuem o rendimento da pedalada. Comecei a me dar conta de que ainda um longo trecho pela frente. Lembrei de vários lugares onde ainda não tínhamos passado, inclusive um vasto campo, uma grande reta e o bananal antes da ponte pênsil. Foi aí que senti que o cansaço estava chegando. Até passar por esses lugares lembrados, ainda tivemos uma parada em mais outro riozinho e outra junto a uma bica que foi mais um presente da natureza para completarmos nossa garrafas com água gelada.
Depois de cortar caminho usando a ponte pênsil sobre o rio Cubatão, saímos numa outra estrada de chão, porém mais movimentada. De dentro de uma van branca que carregava mercadorias, dois meninos que estavam no banco do passageiro cumprimentaram-nos, como se soubessem que viemos de longe.
São gestos simples, talvez até habituais, mas que de certa forma nos desejam boas vindas ao lugar e forças para continuar. Sempre lembro, há uns 15 anos atrás, de como eu fiquei admirado ao encontrar três ou quatro cicloturistas chegando em Guaraqueçaba, vindos desde Curitiba. O Heron contou-me sobre Antonio Olinto, advogado, que escreveu um livro* onde conta que deixou de lado a moto e passou fazer suas viagens de bicicleta. Mais do que lembranças, são algumas das inspirações que explicam nossos gostos por aventuras como esta.
Então, voltemos a ela. Carros e caminhões levantavam nuvens de poeira, enquanto tentávamos apressar a pedalada. O céu escurecia anunciando chuva, e os relâmpagos diziam que não seria uma chuvinha qualquer.
E foi justamente num momento de cansaço, quase fim do dia, já terminada aquela parte mais bonita do caminho e ainda a uns 15 ou 20 km de Garuva, quando novamente passou por nós aquela van branca. Chegou e foi parando ao meu lado. Pensei que fosse pedir alguma informação. Que surpresa quando o motorista perguntou se queríamos carona. Acomodamos nós e as bicicletas entre umas cestas vazias e uns botijões de gás. Que santo motorista e que carona providencial! Mal entramos na van e a chuva forte começou. Fomos abrigados e descansando até chegar ao mercadinho em Garuva. Até a chuva parou antes do fim da carona.


Dali, seguimos pedalando 15 km adiante, em direção à Vila da Glória.

.... E continua...

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